O IPBES (Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services) lançou um relatório recheado de alertas dramáticos, aprovado na 7ª sessão do Plenário do IPBES, realizada em Paris (29 de abril a 4 de maio de 2019).
Pinçamos alguns dos alertas:
- Natureza em declínio perigoso e sem precedentes;
- Aceleração das taxas de extinção de espécies, com um milhão delas ameaçadas de extinção;
- Resposta global atual insuficiente;
- Mudanças transformadoras necessárias para restaurar e proteger a natureza;
- Oposição de interesses velados necessita ser superada em nome do bem público.
Inicialmente precisamos entender o que é o IPBES e o que são serviços ecossistêmicos.
O IPBES é um órgão intergovernamental independente, que compreende mais de 130 governos membros. Estabelecido em 2012, fornece aos formuladores de políticas avaliações científicas objetivas sobre o estado do conhecimento acerca da biodiversidade e dos ecossistemas, bem como as ferramentas e métodos para proteger e usar de forma sustentável esses recursos naturais vitais.
Serviços ecossistêmicos são aqueles prestados pela natureza, e que são fundamentais para a sobrevivência da espécie humana. Dividem-se em:
- Serviços de Provisão: Capacidade dos ecossistemas em prover bens: alimentos (frutos, raízes, mel), energia (carvão, lenha), recursos bioquímicos e genéticos, água e plantas ornamentais.
- Serviços de Regulação: Regulação de processos ecossistêmicos: controle do clima, purificação do ar, purificação e regulação dos ciclos das águas, controle de erosão e enchentes, controle de pragas e doenças.
- Serviços Culturais: Benefícios recreacionais, educacionais, estéticos, espirituais.
- Serviços de Suporte: Serviços necessários para a produção de todos os outros serviços ecossistêmicos, como ciclagem de nutrientes, formação do solo, produção primária, polinização e dispersão de sementes.
O relatório
O Relatório de Avaliação Global do IPBES sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos é o mais abrangente já concluído. É o primeiro do gênero, baseando-se na histórica Avaliação Ecossistêmica do Milênio (2005), introduzindo formas inovadoras de avaliar as evidências. De acordo com o relatório, a natureza está declinando globalmente a taxas sem precedentes na história humana, e o ritmo de extinção de espécies está acelerando, com graves impactos sobre a Humanidade.
O estudo, que demorou três anos, foi realizado por 145 autores especialistas de 50 países, com contribuições de outros 310 autores, baseado na revisão sistemática de cerca de 15 mil fontes científicas e governamentais. Seu foco são as mudanças ocorridas nas últimas cinco décadas, fornecendo uma visão abrangente da relação entre os rumos do desenvolvimento econômico e seus impactos na natureza. Também oferece vários cenários possíveis para as próximas décadas.
Cerca de 1 milhão de espécies animais e vegetais estão agora ameaçadas de extinção, mais do que nunca na história da humanidade. A abundância média de espécies nativas na maioria dos principais habitats terrestres caiu, em pelo menos 20%, desde 1900. Mais de 40% das espécies de anfíbios, quase 33% dos corais e mais de um terço de todos os mamíferos marinhos estão ameaçados. O quadro é menos claro para espécies de insetos, mas evidências disponíveis apontam para uma queda de 10%.
Pelo menos 680 espécies de vertebrados foram levadas à extinção desde o século XVI e mais de 9% de todas as raças domesticadas de mamíferos usados para alimentação e agricultura se encontravam extintas em 2016, estando ainda ameaçadas de extinção, pelo menos, mais 1.000 raças.
Alertas
O Presidente do IPBES, Sir Robert Watson foi contundente: “A saúde dos ecossistemas, dos quais nós, humanos, e todas as outras espécies dependemos, está se deteriorando mais rapidamente do que nunca. Estamos erodindo as próprias fundações de nossas economias, meios de subsistência, segurança alimentar, saúde e qualidade de vida em todo o mundo”. E lançou o repto: “Os Estados membros do IPBES já reconheceram que, por sua própria natureza, a mudança transformadora pode esperar oposição daqueles com interesses investidos no status quo, mas também que tal oposição necessita ser superada para o bem público mais amplo”.
A professora Sandra Díaz (Argentina), co-presidente da Avaliação (junto ao Prof. Josef Settele, da Alemanha, e o Prof. Eduardo Brondízio, do Brasil) foi taxativa: “A biodiversidade e as contribuições da natureza para as pessoas são a nossa herança comum e a mais importante ‘rede de segurança’ de apoio à vida da humanidade. Mas nossa rede de segurança está esticada quase até o ponto de ruptura. A diversidade dentro das espécies, entre espécies e ecossistemas, bem como muitas contribuições fundamentais que derivam da natureza, estão declinando rapidamente, embora ainda tenhamos os meios para garantir um futuro sustentável para as pessoas e o planeta.”
O relatório afirma que não é tarde demais para fazer a diferença, mas apenas se começarmos agora em todos os níveis, do local ao global. Através da ‘mudança transformadora’, a natureza ainda pode ser conservada, restaurada e usada de forma sustentável – isso também é fundamental para atender a maioria das outras metas globais. Por mudança transformadora entende-se uma reorganização fundamental em todo o sistema, através de fatores tecnológicos, econômicos e sociais, incluindo novos paradigmas, metas e valores.
Na opinião do professor Settele “Ecossistemas, espécies, populações selvagens, variedades locais e raças de plantas e animais domesticados estão encolhendo, deteriorando ou desaparecendo. A rede essencial e interconectada da vida na Terra está ficando menor e cada vez mais desgastada. Essa perda é um resultado direto da atividade humana e constitui uma ameaça ao bem-estar humano em todas as regiões do mundo”.
A dimensão geopolítica
Apesar do progresso para conservar a natureza e implementar políticas, o relatório também considera que as metas globais para conservar e usar a natureza de forma sustentável e alcançar a sustentabilidade não são factíveis pelas trajetórias atuais. As metas para 2030 e além podem ser alcançadas apenas através de mudanças revolucionárias, envolvendo fatores políticos e tecnológicos.
O professor brasileiro Eduardo Brondízio afirma: “Para entender melhor e, mais importante, abordar as principais causas de danos à biodiversidade e aos serviços ecossistêmicos, precisamos entender a história e a interconexão global de fatores de mudança demográficos e econômicos complexos, diretos e indiretos”. Os principais fatores indiretos incluem o aumento da população e o consumo per capita; a inovação tecnológica, que em alguns casos diminuiu e em outros casos aumentou os danos à natureza; e, criticamente, questões de governança e responsabilidade. Um padrão que emerge é o da interconectividade global e a extração e produção de recursos em uma parte do mundo para satisfazer as necessidades de consumidores distantes, localizados em outras regiões.
Causas e consequências
Com base em uma análise minuciosa das evidências disponíveis, os cinco direcionadores diretos com os maiores impactos de mudanças na natureza, em ordem decrescente de importância, são:
- mudanças no uso da terra e do mar;
- exploração direta de organismos;
- mudanças climáticas;
- poluição e
- espécies exóticas invasoras.
O relatório observa que, desde 1980, as emissões de gases do efeito estufa aumentaram, elevando a temperatura média global. Com a mudança climática já afetando a natureza, desde os ecossistemas à genética, os impactos devem aumentar.
As consequências já são muito preocupantes e se nada for feito para reverter o curso dos acontecimentos, elas serão devastadoras no futuro próximo. O relatório elenca algumas das principais constatações:
Três quartos do ambiente terrestre e cerca de 66% do ambiente marinho foram significativamente alterados pelas ações humanas. Em média, essas tendências foram menos severas ou evitadas em áreas mantidas ou gerenciadas por Povos Indígenas e Comunidades Locais – onde o progresso e o desenvolvimento econômico foram menores.
Mais de um terço da superfície terrestre do mundo e quase 75% dos recursos de água doce são agora dedicados à produção agrícola ou pecuária.
O valor da produção agrícola aumentou cerca de 300% desde 1970, a extração de madeira bruta subiu 45% e aproximadamente 60 bilhões de toneladas de recursos renováveis e não renováveis são extraídos globalmente a cada ano – tendo quase dobrado desde 1980.
Nas últimas décadas, a degradação da terra reduziu, em algum grau, a produtividade de 23% da superfície terrestre global.
Até US$ 577 bilhões em safras globais anuais estão em risco por perda de polinizadores; e entre 100 e 300 milhões de pessoas estão vulneráveis a inundações e furacões devido à perda de habitats costeiros e de proteção.
Em 2015, 33% dos estoques de peixes marinhos estavam sendo colhidos em níveis insustentáveis; 60% foram pescados de forma sustentável, com apenas 7% colhidos em níveis inferiores aos que podem ser pescados de forma sustentável.
As áreas urbanas mais do que dobraram desde 1992. A poluição plástica aumentou dez vezes desde 1980. Estima-se que 300 a 400 milhões de toneladas de metais pesados, solventes, resíduos tóxicos e outros resíduos de instalações industriais são despejados anualmente nas águas do mundo e fertilizantes que entram nos ecossistemas costeiros produziram mais de 400 “zonas mortas”, totalizando mais de 245.000 km² – uma área combinada maior que a do Reino Unido (Inglaterra, Irlanda, Escócia e País de Gales).
Propostas
As tendências negativas na natureza continuarão até 2050 e além, em todos os cenários de política explorados no relatório, exceto aqueles que incluem mudanças transformadoras. O agravamento é atribuído às mudanças crescentes no uso da terra, exploração de organismos e mudanças climáticas, embora com diferenças entre regiões. Portanto, urge que sejam implementadas ações imediatas e interconectadas.
O relatório apresenta uma ampla gama de ações ilustrativas para a sustentabilidade e caminhos para alcançá-las, envolvendo setores como agricultura, silvicultura, sistemas marinhos, sistemas de água doce, áreas urbanas, energia, finanças e muitos outros. Destaca a importância de adotar abordagens integradas de gestão e intersetoriais que levem em conta as compensações da produção de alimentos e energia, infraestrutura, manejo de água doce e costeira e conservação da biodiversidade.
Também identifica um elemento-chave de políticas futuras mais sustentáveis: a evolução dos sistemas financeiros e econômicos globais para construir uma economia global sustentável, afastando-se do atual paradigma de crescimento econômico que não considera a capacidade de suporte da natureza.
A partir das reflexões do conteúdo do relatório, nosso recado final é de que muito se perdeu, mas a trajetória pode ser revertida, se os governos, as corporações e a sociedade global se unirem em torno de uma tese de desenvolvimento sustentável, que diminua a pressão por recursos renováveis ou não renováveis, e reverta a escalada de extinção de espécies e de degradação dos serviços ecossistêmicos.
De toda forma, o cenário relatado nos leva a sugerir uma reflexão ao leitor, de como essas projeções afetam o seu negócio, e de como cada um de nós pode interagir para mitigar todos os problemas relatados.
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