A crescente demanda chinesa por proteína animal, gerada pelos prejuízos causados pela peste suína africana no país, pode esconder uma armadilha para pecuaristas mais ambiciosos. O alerta foi dado por pesquisadores e autoridades durante painel realizado na Esalq Show 2019, em Piracicaba, na última quinta-feira, 10 de outubro.
“Isso é uma oportunidade e um risco no mercado porque é uma situação transitória. E não se pode pautar investimentos por uma situação transitória. A gente precisa olhar no longo prazo e ver o quão crescente é o crescimento da demanda chinesa, porque ela não é tão explosiva quanto as pessoas acham”, explicou o professor da Esalq, Sérgio de Zen. De acordo com ele, o momento é propício para ocupar capacidade ociosa, mas fazer “investimentos malucos” com base no curto prazo pode ser uma armadilha.
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O professor explica que o país asiático passa por um momento “extremamente delicado” quando o assunto é aumento da demanda, com mudanças profundas nos padrões de consumo e que acompanham o crescimento da classe média chinesa. “Quanto mais um país enriquece, mais as pessoas procuram por proteína animal”, lembra o pesquisador ao ressaltar que, desde 2003, o Brasil tem reduzido as exportações de grãos e aumentado as vendas de proteína animal ao país.
“Eu acredito na sofisticação do consumidor, vejo isso claramente. Essa classe média da China que está crescendo, terá jovens demandantes não só de preço, mas também de procedência e qualidade”, concordou José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho, diretor de programa da secretaria executiva do Ministério da Agricultura. Segundo ele, o setor tem sido “atropelado” quando o assunto é olhar para o futuro da demanda chinesa.
“Nós estamos acuados. Faço inclusive um apelo, de começarmos a mudar o panorama e a vender o Brasil como líder global de sustentabilidade. Porque só o passado não vai garantir o sucesso que a gente espera para o país”, avaliou o diretor do Mapa.
Concentração
A China concentra atualmente 35% das exportações agrícolas do Brasil, com US$ 35,4 bilhões comercializados em 2018. Desse montante, o complexo soja respondeu por 77% do total. “O potencial que temos de investimento e de participação na China é muito grande. O Brasil tem um pauta concentrada o que, ao nosso ver, é um perigo. Nós precisamos diversificar a pauta”, observa Roberto Betancourt, diretor do departamento do agronegócio da Fiesp.
De acordo com Betancourt, essa concentração é ainda maior quando avaliados os mercados onde o Brasil tem participação relevante na China. Os últimos dados oficias, de 2017, apontam 52,8% de participação brasileira nas importações chinesas de soja, atrás apenas da carne de frango, onde o país atende a 85% das importações chinesas.
“O lugar onde nós estamos com alguma participação e acreditamos que vai crescer ainda mais é no complexo de carnes, principalmente bovina e suína, que é onde estamos crescendo. A China tem importado mais e o Brasil tem conquistado mais participação de mercado”, avalia o diretor da Fiesp. O Brasil atendeu a 19% das importações chinesas de carne bovina em 2017. Este ano, contudo, perdemos o posto de principal fornecedor do país para a Argentina.
Em relação aos efeitos imediatos da peste suína, Betancounrt ressalta que o crescimento da demanda no mercado chinês deve durar, no máximo, 4 anos. “Trabalhando bem, a China vai demorar esse tempo (4 anos) para repor sua capacidade produtiva e isso está mudando o cenário das importações (…) Estamos vendo os chineses migrando do consumo de produtos básicos para mais sofisticados, com maior variedade. E a tendencia é que esse movimento continue”, conclui o diretor da Fiesp.