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Brasil, campeão mundial de agrotóxicos

Por Decio Luiz Gazzoni – Engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa Soja.

Este artigo poderia se chamar Fake News, já que o próprio título é uma delas. Seguramente, o leitor já viu e ouviu muitas vezes a expressão que encabeça o artigo, eis que está disseminada pela internet, até em um site que se propõe a politizar o leitor. Também deve ter chegado ao seu conhecimento que 70% dos alimentos do Brasil estão contaminados por agrotóxicos. Ou que cada brasileiro consome 7,5 litros de agrotóxico por ano.

Todas as afirmativas acima não passam de fakenews! E não é difícil provar, com fatos e números baseados na melhor ciência, que todas são inverdades. Lastimável que tenhamos que dedicar tempo a refutar maledicências para evitar que a desinformação se espalhe quando poderíamos estar utilizando nosso tempo para construir alguma coisa, ao invés de destruir a ignorância.


Campeão de quê mesmo?

Vamos nos restringir apenas ao mito do título. Seguramente, o leitor também já ouviu referências do tipo: “…a enfermidade x afeta y em cada 100.000 pessoas”. Imagine que os especialistas em saúde pública não usassem esta expressão. Isto feito, vamos supor que os números mais elevados de casos da doença “x” fossem de 5 pessoas em Borá (cidade do interior de São Paulo) e de 50 na capital do estado. Pelos critérios não científicos, a cidade de São Paulo seria a campeã de casos da doença “x”. Voltemos agora para os índices usados internacionalmente em saúde pública: Borá, com seus 836 habitantes, teria 598 casos por 100.000 habitantes. Já na capital, teríamos 0,34 casos por 100.000 habitantes. Qual cidade seria a “campeã”?

Feita a comparação, voltemos aos agrotóxicos. Quem afirma que o Brasil é o campeão mundial de agrotóxicos usa um único número, que é o valor total da venda desses produtos no mercado brasileiro. O que não significa absolutamente nada. São Paulo tem milhares de vezes mais acidentes de carro por ano que Borá, mas sua frota é milhares de vezes maior e a quilometragem percorrida deve ser um milhão de vezes maior. Um acidente de trânsito em Borá é muito mais significativo que um acidente de trânsito em São Paulo.

Um excelente trabalho dos professores Daniel Carbonari e Edivaldo Velini procura equalizar produção agrícola e uso de agrotóxicos, utilizando uma metodologia científica aceita e consagrada internacionalmente, que é o EIQ (Environmental Impact Quocient of Pesticides). Ao final, o índice se assemelha ao utilizado na Saúde Pública. Porém, em ambos os casos – na Saúde Pública e na Agricultura – existem variações devidas à geografia que dificultam a comparação entre países.

Por exemplo, malária é uma doença que ocorre nos trópicos, inexiste em países frios. Logo, esses últimos sempre terão os índices mais baixos. Em agricultura é semelhante: o problema de pragas (insetos, fungos, plantas invasoras) é muito mais intenso em regiões tropicais ou subtropicais, comparativamente aos países frios. Lógico, então, que o Brasil utilizará mais agrotóxicos. Será? Pasmem os senhores, porém, que mesmo com essas restrições, o Brasil se sai muito bem. Apesar de sermos um país essencialmente tropical e subtropical, comparativamente ao Japão, consumimos apenas 9,27% por tonelada produzida e 6,97% por hectare cultivado. Vejamos outros números na tabela abaixo;

Tabela: Valor despendido por agricultores para aquisição de agrotóxicos por volume de produção e por área cultivada.

Muito longe de ser campeão!

Os resultados apresentados na tabela deixam o Brasil muito longe de ser campeão de qualquer coisa. Ficamos em 13º lugar em custo de agrotóxico por tonelada de produto agrícola colhido e em 7º lugar no custo por hectare cultivado. Seria razoável que um dos maiores produtores agrícolas do mundo, o único grande produtor situado em região tropical e subtropical, apresentasse o maior valor despendido anualmente em agrotóxicos.

De per se, o fato não significaria nada. É o mesmo que dizer que São Paulo possui a maior frota de veículos do país (8.603.239 veículos). O que importa mesmo é quantos veículos existem por 1.000 habitantes – e aí vamos descobrir que a verdadeira campeã é São Caetano do Sul: são 99 mil veículos de passeio para uma população de 156 mil pessoas – em média dois veículos para cada três pessoas. Entretanto, mesmo na condição de país tropical, mais sujeito a pragas, o Brasil não é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo.

Acho que a interpretação mais correta é que o Brasil não é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, observados os critérios de volume de produção e de área cultivada. E, se agregarmos o fato de o país se situar em uma região tropical e subtropical, onde, reconhecidamente, os problemas fitossanitários são mais diversificados, mais intensos e mais graves, fica a suspeita de que o Brasil utiliza agrotóxicos aquém do que, teoricamente, seria esperado. Parece que temos algo a ensinar a Japão, Coréia do Sul, Alemanha, França, Itália, Reino Unido etc.

Estaremos nos valendo de outras técnicas para controlar pragas, que diminuem o consumo de agrotóxicos? Não seria, então, o caso de conduzir um grande estudo sobre como as pragas são controladas e quais as perdas de produção efetivamente ocasionadas por falta de controle adequado de pragas? A resposta a essa pergunta nos diria se estamos utilizando menos agrotóxicos do que o necessário. Entrementes, esse estudo também apontaria as tecnologias recomendadas, viáveis e factíveis para controle dessas pragas – o que poderia redundar em consumo ainda menor de agrotóxicos. Para ficarmos cada vez mais distante desse título de campeão, que não nos interessa. Que se digladiem Japão, Coreia do Sul, Alemanha e outros países, para ver quem fica com a taça!

*As opiniões expressas nos artigos não necessariamente refletem a posição do Portal DBO.

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