Especiais de Pastagem

Como Administrar a Irrigação de Modo Sustentável Para Obter Lucro

Manejo racional da água e energia é essencial para que projetos irrigados obtenham lucro e se alinhem ao conceito de sustentabilidade

Escrito por: Marina Salles

Publicado na Revista DBO | Novembro de 2018


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As técnicas de irrigação são milenares. Datam do Antigo Egito e Mesopotâmia, 3.000 anos antes de Cristo. Naquela época como hoje, os produtores enfrentavam o mesmo desafio: administrar bem a água para produção de alimentos. Com a difusão da irrigação em pastagens, o bom manejo dos recursos hídricos se tornou imperativo na pecuária. Não basta simplesmente “economizar” água, é preciso evitar desperdícios por meio do planejamento correto dos projetos, que devem ser montados a partir de análise das condições climáticas da região, das demandas da planta (capim) e da capacidade de armazenamento hídrico do solo, visando uma maior produtividade e o uso cada vez mais racional dos insumos. Isso sem falar da rede energia elétrica, “coração” do sistema, que bombeia a água e lembra, diariamente, ao produtor, que levá-la à torneira ou aos equipamentos de irrigação tem um custo, que será ainda maior quando o governo começar a cobrar pelo uso desse recurso natural.

Segundo Luís César Dias Drumond, especialista em nutrirrigação e professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), essa “regalia” (água de graça) deve acabar dentro de no máximo cinco anos. Mais um motivo para o produtor fazer um manejo racional da irrigação de pastagens, maximizando a produção e minimizando custos, por meio de projetos mais eficientes. “Acho que a cobrança pode trazer ônus para o orçamento, mas, quem sabe, também incentivará os produtores a revisar seus sistemas hidráulicos a cada três anos, se conscientizando quanto ao valor econômico, social e ambiental da água, que deve ser bem usada, como a energia e os insumos”, afirma.

DBO apresenta, nesta reportagem, que abre o Especial de Pastagens, dois exemplos de projetos que já têm essa consciência: o da JBJ, em Aruanã, GO, e o de Antônio Augusto Athayde Júnior, proprietário das Fazendas Rio Verde, em São João da Ponte, e Planalto, em Capitão Enéas, ambas no Norte Mineiro. Os dois projetos irrigam pastagens com pivôs e se preocupam com o uso racional da água. Segundo o professor Luís Drumond, é fundamental fazer contas para saber quanto se produz de carne com 1 mm de água, com 1 kg de adubo e com 1 kWh.“Na universidade, estamos estudando esses parâmetros”, afirma. Os produtores mencionados nesta reportagem ainda não atingiram esse nível de detalhamento, mas monitoram regularmente seu sistema, o que já é um grande avanço. Começaremos pelo projeto mineiro, onde o conceito  de uso racional da água se tornou uma questão de sobrevivência.

Susto dos grandes

A decisão de Antônio Augusto Athayde Júnior (mais conhecido como Júnior Athayde) pela irrigação decorreu de um susto, desses bem grandes. Após três anos de seca, seguidos por mais três de pouca chuva (400 a 700 mm, valor bem abaixo da média da região, que é de 1.000 mm/ano), esse produtor mineiro viu suas pastagens morrerem e seu rebanho passar fome. Filho e neto de pecuaristas, ele nunca tinha vivido algo parecido em sua região, conhecida como a “nata do Nortão”, por seu bom acesso a estradas, terras produtivas e relativa disponibilidade de água, vinda do céu, de rios ou do subsolo. Selecionador de Nelore, ele buscou alternativas para salvar seu plantel de cria. “Eu tinha R$ 400.000 na época e pensei em fazer reforma de pasto em 400 ha, mesmo sem chuvas. Estava desesperado com a falta de capim para minhas matrizes. Até procurar apoio técnico e descobrir que a irrigação era a luz no fim do túnel”, relata o produtor.

Gustavo Amaral, da Alcance Consultoria, de Montes Claros, MG, foi quem aconselhou Júnior a investir nesse sistema. “Parecia uma proposta muito ousada, mas as vacas estavam emagrecendo. Mostrei ao Júnior que a irrigação daria maior segurança a seu negócio, já que reformar pasto sem chuva era arriscado demais”, diz. Diante da baixa capacidade de suporte e grande mortalidade de capim, Júnior topou a empreitada e instalou, em fevereiro de 2015, um primeiro pivô para irrigação de 30 ha na Fazenda Rio Verde, que se decida à cria, e nele colocou 25 UA/ha. “O plano, naquele momento, era tirar a fazenda do sufoco e, por isso, a lotação era altíssima. Colocávamos 300 vacas de manhã na área e tirávamos na hora do almoço, para colocar outras 300 à tarde, que comiam até o jantar”, conta Amaral. Com esse esquema, ele conseguiu suprir metade da exigência nutricional dos animais, não deixando uma única vaca PO morrer de fome.

Confiante nos resultados do projeto, em 2016, Júnior instalou um segundo pivô na Rio Verde, desta vez para irrigar 40 ha. “A ousadia foi tanta que comecei a receber visitas de gente querendo ver as vacas debaixo do pivô”, diz. A colocação dessa categoria animal em pastagens irrigadas é rara de se ver, tanto no Brasil quanto no mundo. Nem mesmo o professor Drumond tinha tido notícia de um projeto assim antes. Para dar suporte à recria/engorda, feita na Fazenda Planalto, distante 50 km da Rio Verde, Amaral convenceu Athayde a deixar de plantar milho para silagem, em 7 ha irrigados por aspersão, e formar essa área com capim, além de ampliá-la para 11 ha. O objetivo era recriar os animais (tanto os de seleção quanto os de corte) principalmente a pasto, para reduzir custos. Sua preparação (engorda ou venda como tourinhos) passaria a ser feita, em período curto, no confinamento, cujas instalações têm capacidade para 200 cabeças.

Gustavo Amaral (à esq.) e Júnior Athayde começaram a trabalhar juntos em 2015, para reverter um problema

Sucesso do plano B

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Três anos após iniciar o projeto, os números provam que o plano B de Amaral estava certo. Nos 70 ha irrigados da Fazenda Rio Verde (7% da área total), Júnior Athayde produziu 80 @ de bezerro/ha com 500 matrizes, no ano passado. Ele atribui seu sucesso à manutenção do escore corporal das fêmeas durante o período seco. Eles apresentaram 70% de prenhez com uma IATF e desmamaram bezerros com 8@ (machos) a 7,2@ (fêmeas), aos 7,5 meses de idade. Isso a um custo de R$ 62/cab, 45% menor do que a média da região em sistema de sequeiro, que é de R$ 90 por animal. Já a Fazenda Planalto abriga 400 cabeças em 234 ha de área efetivamente empastada e produz tanto tourinhos quanto animais para abate, que ganham, em média, 7@ a pasto e 4@ no confinamento.

Segundo Amaral, em 2017, a produtividade na área irrigada desta fazenda foi de 135 @/ha. Para reaver o investimento feito nos dois pivôs da Fa-Rio Verde (R$ 280.000 e R$ 340.000, respectivamente, em valores da época, sem correção), Júnior Athayde precisou ter disciplina e acreditar nas recomendações de seu consultor. Segundo o professor Luís Drumond, contratar técnicos especializados para elaborar esse tipo de projeto é fundamental para se fazer uso racional da água e da energia. “Muitos produtores compram os equipamentos com base em recomendações do vendedor de pivô e isso traz problemas futuros, pois, mesmo que a pessoa entenda de hidráulica, não conhece as características nem o sistema de produção da propriedade”, alerta. Segundo ele, antes de se montar o projeto, é preciso analisar uma série de dados, como variações climáticas, condições de solo, demanda de matéria seca pelo rebanho, lâmina d’água necessária para irrigar a área, etc. Planejamento é fundamental, tanto para se evitar erros no layout quanto no sistema hidráulico. “O primeiro passo é trabalhar com um coeficiente de segurança na irrigação, não de ignorância”, diz o professor.

Projeção do Sistema

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Gustavo Amaral concorda. Para que Júnior Athayde não ficasse à mercê das frequentes quedas de energia que ocorrem no Norte de Minas, o técnico dimensionou a irrigação com margem de segurança. “Eu poderia recomendar 9 mm por pivô em 21 horas, mas trabalhei com 11 mm, para conseguir irrigar rapidamente a área quando volta a energia”, explica o consultor. Segundo ele, picos de tensão ocorrem principalmente à noite e, por isso, Athayde não trabalha com “demanda contratada”, modalidade de cobrança de energia que confere um desconto ao produtor quando ele concorda em pagar por uma quantidade fixa de energia em determinado horário, usando-a ou não. Athayde optou pelo consumo efetivo, apesar da tarifa ser mais cara (R$ 0,42/ kWh, ante 0,04/kWh da demanda contratada), porque tem mais liberdade e não é multado por exceder limites ou irrigar fora do horário.

Os pivôs da Fazenda Rio Verde fazem regas de 3 mm (maio/julho) a 6 mm (agosto/outubro, pico da seca), sempre durante a noite, gastando, em média, R$ 70 de energia por ha/mês. Ficam parados no máximo 55 dias, no período chuvoso, quando os animais são transferidos para os pastos de sequeiro. Além do dimensionamento correto do projeto, para se conseguir manejar corretamente a dupla água/energia, obtendo bons resultados produtivos, é importante escolher bem o local para instalação do pivô, que deve ficar próximo da fonte de captação hídrica, para evitar perdas de água por atrito durante seu transporte, além de maior esforço de bombeamento e, consequentemente, maior gasto de energia.

Na Fazenda Rio Verde, o primeiro pivô foi instalado em área plana, a 630 m do poço artesiano que o abastece O segundo equipamento fica ao lado do primeiro. Amaral, também escolheu tubulação com diâmetro adequado e um transformador compatível com as bombas dos pivôs e dos poços, para evitar desperdício de energia na rede. Uma bomba de 40 kVA, por exemplo, pede um transformador de 50 kVA. Caso o produtor opte por “demanda contratada”, deve considerar a capacidade de bombeamento do sistema; do contrário, poderá pagar por uma energia que não conseguirá usar.

No capricho: sistema de fertirrigação fica dentro de uma casa de alvenaria; bombas e trasnformadores são cobertos por sombrites.

Layout Diferenciado

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Outro detalhe importante na fase de planejamento é o layout do sistema irrigado, que deve garantir máximo aproveitamento do capim, considerando-se flutuações na produção em função da maior ou menor luminosidade. A dica de Drumond é calcular uma oferta média anual e definir o número de piquetes com base nela. As pastagens irrigadas por pivôs na Fazenda Rio Verde – uma de 30 ha, formada com MG5, e outra de 40 ha – são formadas com MG5 e fracionadas, respectivamente, em 12 e 16 piquetes de 2,5 ha cada. O tamanho regular do piquete, além de favorecer o pastejo, facilita o manejo da fertirrigação. Com esse layout, o tempo de ocupação por piquete varia de 1 dia (na primavera/verão) a três dias (no outono/inverno), com média de 21 dias de descanso. São manejados dois lotes por pivô, com ajuda de quatro cercas móveis.

Um corredor circunda todo o perímetro do pivô, dando acesso quatro áreas de lazer externas, uma em cada quadrante. Elas são equipadas com bebedouro, sombrite e cochos de sal. Gustavo Amaral diz ter optado por essa alternativa, ao invés de uma área de lazer interna central, para evitar perda de capim por pisoteio. “Ficou mais caro, porém esse custo se paga rapidamente, pois ganhamos 1 ha de pasto irrigado que seria destinado à área de lazer e deixamos de perder 10% de capim pisoteado, que acaba morrendo”, afirma, lembrando, porém, que isso nada tem a ver com compactação do solo.

Segundo o professor Drumond, é mito que altas lotações em pastagens irrigadas causem compactação, embora seja importante caprichar no manejo. “O produtor às vezes acha que é a pata do boi que compacta o solo, quando, na verdade, o problema está na boca do boi, por conta do superpastejo”, diz ele, explicando que a compactação não ocorre porque o tempo de permanência dos animais no piquete é curto e o descanso é longo. Além disso, as folhas que morrem (matéria orgânica) formam uma espécie de colchão, que protege o solo. Já as raízes do capim quebram eventuais adensamentos, criando canais para a infiltração da água, o que favorece o desenvolvimento das plantas.

Manejo racional dá lucro?

A rotina de manejo do gado nos pivôs da Fazenda Rio Verde é bem diferente da adotada por outras fazendas, justamente em função da categoria animal alojada no sistema: vacas de cria. Elas não ficam direto nas pastagens. Todos os dias, das 6 às 9 horas da manhã, fazem um primeiro turno de pastejo e depois descansam na área de lazer, retornando ao pivô para um segundo turno à tarde, que vai do 12 às 17 horas. Esse esquema foi criado para evitar que elas deitassem sobre o capim, mas acabou contribuindo também para manter o boa saúde dos bezerros, que não apresentam doenças nem problemas de casco, já que não ficam direto no ambiente mais úmido do pasto irrigado. As áreas de lazer externas também facilitam o manejo das vacas na hora da parição e a cura do umbigo dos recém-nascidos.

No dia da visita de DBO, em meados de outubro, todas as 1.070 cabeças da Fazenda Rio Verde (500 matrizes de corte, 220 novilhas de recria e 350 bezerros recém-nascidos, de uma safra esperada de 450) estavam sob os dois pivôs. No primeiro, que funcionava como pasto-maternidade manejado em sistema de desponte e repasse, um lote de vacas paridas puxava a fila do rotacionado, seguido por outro de fêmeas em estágio final de gestação. “Nesse esquema, quem manda no lote da frente é o lote de trás, pois vai acertando o capim para os próximos pastejos”, explica Amaral. Já a área do segundo pivô estava dividida em dois módulos de 8 piquetes, o primeiro ocupado por novilhas de 24 meses e bezerras desmamadas; e o segundo por vacas com bezerros ao pé, nascidos em setembro. O processo é dinâmico e a fazenda trabalha, em média, com 8 UA/ha, sempre ajustando a lotação e a adubação para reduzir perdas.

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Está matéria é parte da série ‘Especial de Pastagem 2018’. O conteúdo foi originalmente publicado na Revista DBO Edição de Novembro.

Autoria: Marina Salles | Revisão: Bruna Andrade | ​Fotografia: Marina Salles e Daniel Rodrigo V. Mendes | Design Digital: Filipe Rockbell.

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