São notórios o alto grau de desenvolvimento e a solidez do agronegócio brasileiro, que a cada dia mais se destaca pela enorme capacidade de produção de alimentos e biocombustíveis para consumo interno e exportação. Mesmo em momentos de crise aguda, o setor consegue criar verdadeiras ilhas de prosperidade no interior do País, áreas que chegam a rivalizar em ritmo de crescimento com as metrópoles. O agronegócio nacional alcançou esse lugar com muita experiência e conhecimento, mas ainda tem muito a ganhar se agregar às suas estratégias um ingrediente que em outros segmentos já é bastante comum: governança corporativa.
O fato de os produtores rurais precisarem equilibrar tantos pratos ao mesmo tempo — produtividade, tecnologia, logística, sustentabilidade, meio ambiente, normas sanitárias e políticas comerciais — evidencia a necessidade de adotarem ferramentas que os ajudem a administrar bem todas essas pontas, e as boas práticas de governança podem representar esses instrumentos. A governança corporativa pode ajudar o agro em organização societária, planejamento sucessório e gestão de riscos, entre outros pontos.
É amplo o campo para avanço da governança no setor. No imaginário popular, o agronegócio no Brasil ainda é restrito a grandes empresas e famílias tradicionais, donas de enormes áreas dedicadas à monocultura de commodities, como a soja, e à pecuária. Nada mais distante da realidade. O País tem hoje aproximadamente 5 milhões de propriedades rurais, dos quais aproximadamente 4,5 milhões são de pequeno ou médio portes — muitos deles ainda carentes de organização mínima em termos de boas práticas de governança.
E mesmo entre os produtores maiores existe essa lacuna. Como relatou Marcos Jank, coordenador do Centro Insper Agro Global e um dos maiores especialistas brasileiros no tema em evento do “Mesa ao Vivo” realizado em novembro, durante cursos e eventos no Centro-Oeste, por exemplo, é possível observar que ainda há os que não sabem como planejar uma mudança de geração no comando — e, mais grave, não são poucos os que misturam os negócios com o patrimônio pessoal, deixando bens em nome de um único dono ou de poucos familiares.
Quem está no agronegócio conhece bem os riscos naturais inerentes ao negócio, ligados ao clima e ao solo. Entretanto, tão ou mais importantes são os riscos de comercialização, administrativos e financeiros. Pode estar na governança a “massa” que liga esses dois campos, de modo a fortalecer o tripé formado por produtividade, risco e retorno do negócio.
Para mitigar os riscos não naturais, o empresário do campo precisa, por exemplo, formalizar as relações dentro da empresa com o estabelecimento de acordo societário, com o detalhamento de regras de poder e convivência entre os donos do negócio — assim como se faz em empresas de outros segmentos da economia, inclusive as de capital aberto. Em termos de gestão, fundamental preparar a geração seguinte, de forma que continuar no campo seja uma real opção de carreira, e não apenas o imperativo de uma relação parental.
Outro impulso à adoção dos pressupostos e práticas de governança no agronegócio brasileiro vem, como também destacou Jank, da pressão de investidores e consumidores. Num mundo em que se dá crescente importância a indicadores ESG (ambientais, sociais e de governança), é imprescindível que os produtores rurais e pecuaristas se estruturem para garantir padrões elevados de sustentabilidade, proteção ambiental e rastreabilidade de seus produtos, além de cuidado com os prestadores de serviços. E para isso também existem bons caminhos dentro da governança corporativa.
Nessa dinâmica, aumentar a produtividade com a ajuda de tecnologia já não basta: o diferencial está na responsabilidade da atividade agropecuária em termos ambientais e sociais. E também é necessário saber comunicar de maneira clara e precisa essa postura, de forma a gerar valor para o negócio. Trata-se de um cuidado com a reputação, processo que no Brasil ainda tem muito caminho a percorrer.
Um obstáculo importante para o agronegócio que pretenda se associar às boas práticas de governança está numa limitação fora do alcance do produtor. O Brasil tem o Código Florestal mais completo e exigente do mundo, mas essa legislação, aprovada no Congresso Nacional em 2012, ainda esbarra em ações judiciais para ser implementada nos Estados. Caso o governo não viabilize políticas públicas em prol da regularização fundiária e ambiental, dando aos produtores condições de criar um padrão de compliance condizente com a boa governança, a tendência é de que o setor continue no mesmo lugar nesse aspecto.
O cenário, no entanto, é muito favorável. O agronegócio brasileiro tem tudo para aprimorar sua capacidade de organização e visão estratégica, e para isso conta com canais já consolidados da governança corporativa. O setor tem plenas condições de se mostrar ao mundo como modelo de governança, referência em sustentabilidade e fiador da segurança alimentar global.