O professor titular da FMVZ-USP e colunista da Revista DBO, Enrico Ortolani, fala sobre a importância de ter no pasto a dupla arroz (capins) e feijão (leguminosas), o primeiro rico em energia e o segundo, em proteína
Por Enrico Ortolani – Professor titular de Clínica de Ruminantes da FMVZ-USP (ortolani@usp.br)
Tive uma aula marcante na faculdade com um técnico que tinha acabado de voltar da Austrália, onde estudara o sistema pecuário daquele país. Ele disse que os agrônomos da terra dos cangurus, por décadas, rodaram a África (continente dos capins), as Américas (continente das leguminosas) e a Ásia (um misto de ambos), de lá trazendo quase 1.000 variedades de forrageiras, na busca de soluções para suas pastagens à época paupérrimas. E se deram bem!
Disse esse mesmo técnico que o ideal era ter no pasto a dupla arroz (capins) e feijão (leguminosas), o primeiro rico em energia e o segundo, em proteína. O segredo das leguminosas está nos nódulos de suas raízes, onde se hospedam bactérias (nitrificantes) que captam o nitrogênio inerte do ar e o transformam em nitrogênio assimilável pela planta e outras que estão ao seu redor. Fantástico né!
Todos estão carecas de saber que os capins tropicais são pobres em proteína, principalmente durante a seca, o que limita demais o ganho de peso da boiada. Para compensar essa carência, temos de encher os cochos com sais proteinados, cujos preços andam nas alturas. Um inferno para as contas! Nos especializamos em produzir “muito arroz” e quase nada de “feijão”. A grande pergunta que fica é por que os australianos consorciam uns 100.000 hectares de pastagens e nós não passamos de uns 80.000 hectares?
Breve retrospectiva
A história das leguminosas nas pastagens brasileiras é curta. Na década de 1960, foi o maior pico da consorciação. Os técnicos em pastagem bradavam aos ventos as vantagens do casamento “arroz com feijão”. A leguminosa escolhida foi a soja perene. Para plantá-la, os pecuaristas misturavam o sal mineral com suas sementes, que já saíam nas fezes adubadas. Mas essa onda passou, visto que a soja perene só crescia em terra boa, algo pouco frequente em nossas pastagens, e o bom propósito foi para o vinagre.
Na década de 1980, começou a moda da leucena, arbusto alto, que tem folhas e vagens tenras, muito ricas em proteína. Muitos plantaram e quase todos desistiram pela dificuldade de manter uma boa consorciação, já que a leucena, quando mal manejada, vira uma potente planta invasora.
Em 1993, a Embrapa lançou o Mineirão (Stylosanthes guianensis) e, em 2000, o estilosantes Campo Grande. Após um bombardeio de propaganda na televisão, muitos pecuaristas plantaram essa leguminosa, que tem virtudes, mas que aos poucos foi sendo abandonada, pelo ataque de formigas e o mal manejo (desequilíbrios no consórcio), que resultaram na morte de bois “entupidos” pelas bolas de fibra (fitobezoares) formadas nas tripas, quando a pastagem tinha mais de 40 % da leguminosa.
Estrelas promissoras
Nativo do Brasil, o amendoim forrageiro passou despercebido até ser melhor estudado pela Embrapa, que lançou a cultivar Belmonte em 1999. Antes, porém, de chegar efetivamente às pastagens, tornou-se campeão dos jardins urbanos planejados. Já plantei o amendoim, gostei muito e mantenho até hoje alguns piquetes consorciados, com ganho de 100 a 150 g acima do registrado no mesmo capim solteiro. Já contei essa história na DBO número 359, de setembro 2010, vale conferir.
Infelizmente, essa boa ideia não foi colocada muito em prática na pecuária (à exceção do Acre, como mostra matéria de Ariosto Mesquita, na edição de julho da Revista DBO) e nem teve apoio incondicional dos técnicos badalados das pastagens. Vá entender?