Papo de primeira: nossa história, quem deve contar somos nós mesmos!

Vale a pena responder aos ataques feitos ao agronegócio? Sérgio Raposo, da Embrapa, questiona as últimas reações do setor

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Recentemente, parte do conteúdo de um programa na TV fechada viralizou em função de comentários bastante distorcidos sobre nossa agropecuária pelos componentes do programa, todos eles pessoas públicas ligadas ao “showbusiness” brasileiro.

Como de praxe, muitas pessoas ligadas ao agro reagiram, sendo que, na grande maioria das vezes, de maneira irada. Apesar do alívio momentâneo que esse desabafo dá, é forçoso reconhecer que acabamos por ampliar a conversa toda e muitas pessoas que nunca teriam conhecimento do programa, acabaram se tornando audiência desse “Papo de Segunda” (nome do programa), sem querer.


Outro problema das nossas respostas é o pouco efeito prático que elas têm. Para os que têm conhecimento do que foi distorcido, a resposta não faz diferença. Para o público que vale à pena esclarecer, ficam dois discursos antagônicos.

Aqui, para melhor explicar, peço licença para fazer uma breve digressão, colocando situação semelhante num cenário diferente. Nele, um remédio foi assunto de um programa com várias pessoas que, fazendo ou não jus, você admira. Eles fazem várias considerações fortes que põe em dúvida a eficácia e a segurança do medicamento. No dia seguinte, você ouve a resposta do fabricante, rebatendo ponto por ponto. O fabricante pode ter os melhores dados sobre seu produto, mas há muito mais chance de você desconfiar dele do que de quem “levantou a lebre”, simplesmente porque ele definitivamente não representa uma opinião isenta, afinal ele vende o medicamento. O cenário piora se o fabricante, indo além dos seus melhores argumentos, ofende seus detratores. O prejuízo é tanto mais grave quanto maior for o grau de desrespeito.

Veja que, no caso, não está claro quem tem razão, isto é, o remédio pode mesmo ser um veneno ou apenas estar sendo difamado, mas, como “quem tem razão, não precisa gritar”, se o fabricante saiu da linha, ajudou seus adversários. Mas, como desgraça pouca é bobagem, ainda é possível piorar bastante: dependendo do nível do destempero, talvez a resposta dele viralize e, o que seria o estrago limitado à audiência de um programa, acaba atingindo um público infinitamente maior.

Voltando ao programa de TV e ao agro, o que precisamos entender é que o discurso não foi criado por aquelas pessoas. Eles se apoderaram da narrativa corrente no seu entorno, fruto de uma série de notícias, ora negativas, ora mal interpretadas que, principalmente, grupos de interesse contrário à agropecuária aproveitaram, criando uma longa tradição de denegrir o setor. Eles ocuparam esse espaço e tiveram o caminho facilitado pois, tudo que é negativo e sensacionalista, repercute muito mais.

Temos que ir recuperando esse espaço por nós mesmos, pela força da união e com ajuda de quem entende de comunicação. De preferência, profissionais do marketing experientes e que estejam à altura do desafio, ou seja, caros (mais um motivo para juntar o máximo de interessados em colaborar). Na linha desse esforço, além de mostrar o melhor de nós e de motivar para melhorar a classe como um todo, devemos, principalmente, provar concretamente que discurso e ação se alinham. O importante é que, quando a realidade for checada, permita admiração ou, no mínimo, a compreensão que, dentro de suas limitações, o setor tem um compromisso verdadeiro com a sustentabilidade.

Enquanto não conseguimos algo mais organizado, acho que podemos ajudar individualmente, cada um sendo um “embaixador do agro”, divulgando boas notícias que já temos e que acabam ficando apenas dentro do nosso meio, sem atingir o grande público. Isso sem esperar por um novo ataque. Enfim, menos reação e mais ação.

Da minha parte, há algum tempo tenho procurado dar minha modestíssima contribuição escrevendo textos que mostram as virtudes do agro brasileiro, especialmente da pecuária. Para não deixar passar mais uma oportunidade, abaixo, seguem dez motivos para justificar o porquê compensa à sociedade brasileira seguir investindo na pecuária:

1) Quase toda produção em pastagem: No Brasil, apenas 13% dos animais abatidos são provenientes de confinamento. Mas esses animais confinados passam a grande maior parte da sua vida em pastagens, ficando apenas entre 90-100 dias no confinamento. Portanto, cerca de 98% dos quase 11 milhões de toneladas de carne bovina produzidas no Brasil, ocorrem na pastagem. Além de ser o ambiente natural desses animais, essa carne tem várias qualidades muito interessantes para a saúde: menos gordura, melhor composição de ácidos graxos e é naturalmente vitaminada.

2) Nossas forrageiras tropicais e suas poderosas raízes: Uma das características mais impressionantes das forrageiras tropicais é sua incrível capacidade em produzir e aprofundar raízes, sendo comum encontrar quantidades significativas a mais de dois metros de profundidade. Isso não só as deixa muito eficientes, pela quantidade de solo que elas exploram, mas pelo enriquecimento de matéria orgânica incorporada a ele (refletido no seu teor de Carbono), traz vantagens ecológicas, físicas e biológicas ao sistema produtivo. Há expressiva melhora nas características físicas do solo, incluindo a melhora da retenção e infiltração de água, que irá recarregar nossos aquíferos.

3) Componente animal é o cerne das integrações: Os sistemas integrados, em todas as formas (integração agricultura-pecuária, agricultura-pecuária-floresta e sistema silvipastoril) são fontes intermináveis de boas notícias, razão pela qual a área ocupada por eles cresce numa velocidade assustadora. Um dos segredos do sucesso é o aumento de carbono (C) do solo, obtido em função das raízes das forrageiras. A composição toda é vitoriosa e ainda vai crescer muito, produzindo alimentos de qualidade de maneira sustentável, graças a esse pilar central que é a recuperação de C no solo, baseado na participação do componente animal.

4) Pode ser produzida em áreas marginais: A pecuária pode ser feita em terras inaptas para a agricultura e, no caso do Brasil, com uso bem modesto de insumos externos, motivo de ser uma das únicas atividades do agro que se encontra em 100% dos 5.570 municípios brasileiros. Produzir uma fonte de proteína nobre, de alto valor biológico, a partir de capim, sal mineral e outros alimentos que não competem com humanos é uma vantagem estratégica considerável, especialmente se, com apenas um pouco mais de insumos e muita técnica, temos um produto pronto para exportação.

5) Capim transformado em US$7 bilhões: Por ser baseada em pastagens, temos custos de produção muito competitivos, um dos fatores que nos fez um dos maiores exportadores de carne do mundo. O valor obtido com carne exportada esse ano deve ficar perto dos “7 bi”, repetindo valores elevadíssimos também obtidos em anos anteriores (US$ 6,5 bilhões em 2018). Apesar de baseada em capins africanos e raças bovinas indianas, depois de décadas de trabalho de melhoramento, elas já podem ser consideradas patrimônio brasileiro. São produzidas sobre variados “protocolos”, também criados por brasileiros. Portanto, trata-se de um dos mais bem-sucedidos casos de exportação de tecnologia brasileira embarcada em um produto.

6) Alimento convencional mais perto do orgânico: Por ser produzido no ambiente natural do animal, com o mínimo de insumos, não existe nenhum outro alimento produzido convencionalmente que seja tão parecido com sua opção orgânica que, em geral, restringe apenas alguns insumos como, por exemplo, a ureia – um componente orgânico – por ser produzido industrialmente.

7) Produtividade ainda pode aumentar muitas vezes: A produção média no Brasil é de cerca de 3 arrobas por hectare, mas há registro de produções tão elevadas quanto 90 arrobas por hectare. Fica claro, então, que ainda há enormes oportunidades de aumento de eficiência na nossa pecuária usando apenas tecnologia já disponível, sem contar os avanços extraordinários que a Pecuária 4.0, junto com a biotecnologia, nanotecnologia e outas áreas de ponta devem oportunizar num futuro próximo.

8) Desacoplamento produção x desmatamento: A pecuária é, sim, ferramenta de grileiros no crime de desmatamento ilegal, mas o interesse mesmo é na especulação imobiliária. Ainda assim, foi graças a ganhos em produtividade que, exatamente no mesmo período em que três estados amazônicos tiveram o maior aumento de rebanho, foi quando houve a maior redução de desmatamento na Amazônia. Pesquisadores cunharam, então, o termo “desacoplamento entre a pecuária e o desmatamento”. Essa tendência deve continuar, tanto que área de pastagem tem caído continuamente há anos. Ainda assim, apenas com a contínua e incansável repressão com as forças oficiais do Estado, vamos efetivamente frear os especuladores que desmatam ilegalmente, os estragos causados ao ambiente e à nossa imagem no exterior.

9) Produzimos carne limpa e segura: A carne brasileira é exportada para mais de 100 países, muitos deles com sistemas ativos de detecção de resíduos ou qualquer outra inconformidade. Exceto por algum motivo inesperado (como quando se reduziu em 100 vezes a concentração permitida de resíduo de um vermífugo), raramente são encontrados problemas com a carne brasileira. Isto está de acordo com a melhoria contínua dos procedimentos, em todos os elos da cadeia, e em linha com uma produção com baixa utilização de insumos de forma geral.

10) Carne é uma delícia: Fazendo um delicioso exercício de imaginação, mentalize, com força, aquele cheiro delicioso de churrasco. Na hipótese de você ser um humano normal (no sentido estatístico do termo), as nove razões anteriores ficaram relativamente menos importantes. O fato disso ocorrer não é gratuito, mas se deve ao fato do consumo de carne pelos nossos ancestrais ter influenciado fortemente seu processo evolutivo e ter resultado no que somos hoje. Não por acaso é tão difícil manter-se na onda vegetariana/vegana de hoje e a explicação do porquê o contingente de ex-veganos e ex-vegetarianos ser bem mais expressivo dos que tentam ficar longe da carne.

É claro que temos todo tipo de produtor e que precisamos, coletivamente, manter um processo de melhoria contínua. Um caso emblemático é a questão de “pasto produtor de águas”, pois um pasto bem manejado recebe esse título com louvor, mas um pasto mal trabalhado em que ocorre erosão é exatamente o inverso, pois trata-se de um “pasto contaminador de águas e destruidor dos solos”.

O curioso é que mesmo nossos problemas acabam virando grandes oportunidades. Por exemplo, temos essas áreas de pastagem degradada (ou em estado de degradação), que são exatamente aquelas onde conseguiremos as maiores taxas de estocagem de C, por serem como caixas vazias, prontas para serem completadas. Dependendo de conseguirmos modelar isso bem do ponto de vista de consistência científica, poderá ser contabilizado na nossa contribuição na redução de emissão de gases de efeito estufa.

É bom deixar claro que toda a abordagem de produção sustentável começa pelo pilar de “economicamente viável” e, portanto, os produtores podem considerá-la, sem reservas, como uma aliada. Há muitas oportunidades de investir em práticas sustentáveis, com aumento de lucratividade. Há, em grande medida, um feliz alinhamento entre intensificação, melhora de eficiência e produção ecologicamente correta. Enfim, um bom momento para sair da defensiva, e, com humildade, ir dando nosso recado aos nossos irmãos brasileiros que tão pouco sabem a nosso respeito.

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