Planejar é preciso – a experiência de uma família que enfrentou as planilhas

Propriedade que tem os dados na ponta do lápis consegue traçar estratégias com maior racionalidade e lucrar. Segundo o agrônomo Primo Quinaglia Neto, um erro comum é investir no aumento do rebanho e da área de pastagem sem conhecer a eficiência do pasto já existente. “A dica é tirar o maior proveito da área já disponível”, diz. 

Rodrigo, o pai, Vilson, e a mãe, Joyce, entenderam a importância das informações coletadas e, sem mágica, reduziram o rebanho e aumentaram a produção.
Por Fernanda Yoneya 

Há menos de cinco anos, a família Borssatti resolveu turbinar a produção de leite em sua propriedade de São José do Cedro, Santa Catarina. Rodrigo Borssatti, técnico em agropecuária, e seus pais Vilson Borssatti e Joice Isabel Bernardy Borssatti passaram a visitar outras fazendas leiteiras para colher exemplos bem-sucedidos e a buscar assistência técnica. Foi quando conheceram o engenheiro agrônomo Primo Quinaglia Neto, da Cooperativa para a Inovação e Desenvolvimento da Atividade Leiteira (Cooperideal), que presta assistência técnica a produtores de leite do oeste de Santa Catarina e do sudoeste do Paraná.  Foram, então, apresentados às temidas planilhas.

“Hoje, é delas que extraímos todas as nossas informações. São elas que indicam quais decisões devem ser tomadas. Muitas vezes, ganhamos dinheiro, mas não sabemos ‘onde’. Com as planilhas, sabemos exatamente o custo de produção e, consequentemente, onde estamos tendo lucro ou prejuízo”, diz Rodrigo. “Foi crucial para a mudança na administração”.


Naquela época, eles usavam uma planilha, mas não de forma “rigorosa”. Com os dados incompletos, nenhuma decisão era tomada com base nos registros. “Primeiramente, deve ser feita a planilha para saber o que se tem na propriedade. Em seguida, começa a tomada de decisões. Por exemplo, se o rebanho for numeroso, mas pouco eficiente, em termos de produtividade, descartamos animais”, diz Rodrigo.

“A partir daí é possível saber onde estamos eficientes ou ineficientes e podemos definir estratégias para manter a eficiência já registrada e melhorar onde for necessário.” Na propriedade, a  família analisa cada índice agronômico, zootécnico e econômico, em busca de alcançar meta traçada a cada ano.

Simples, a prática de armazenar informações da fazenda é o primeiro passo para qualquer pecuarista se programar a médio e longo prazos. É a partir do “hábito” de colocar dados de custos de produção e de índices zootécnicos que o produtor consegue se organizar e traçar metas para o futuro da propriedade e dos negócios.

Esses índices zootécnicos abrangem itens como produção diária de leite; número de vacas em lactação e total de vacas; produção diária por vaca; produtividade da mão de obra; produção por área de pastagem; consumo de concentrado por litro de leite, além de índice de fertilidade dos animais; índice de natalidade; taxa de mortalidade e índice de animais descartados.

“Não existe receita de bolo para um bom planejamento de uma propriedade leiteira, mas a planilha de custos é indispensável”, afirma Primo Quinaglia Neto. “O planejamento deve ser feito com base nas prioridades de cada fazenda”. E, para saber quais são essas prioridades, é preciso ter informações, dados e histórico da propriedade e do rebanho.

“Não tem regra, mas o sucesso de uma fazenda depende de um gerenciamento adequado. E esse gerenciamento depende do conhecimento que o produtor tem do seu negócio. Sem ter essas informações na ponta do lápis, não se sabe o caminho que a atividade está tomando e que rumo se pretende seguir. A planilha indica qual o caminho”, avalia o agrônomo.

Os pesquisadores da Embrapa Gado de Leite Rosangela Zoccal e José Luiz Bellini Leite afirmam que planejamento é saber onde se está – por meio de um inventário da propriedade – e aonde se quer chegar, com a definição de metas. “Tendo um ponto de partida e o ponto de chegada, que é a situação desejada, o produtor é capaz de traçar um caminho lógico”, dizem os pesquisadores.

“A análise do custo de produção de leite auxilia na organização e no controle do sistema de produção, identificando o desempenho de cada atividade. Permite a análise da rentabilidade e indica os custos controláveis que podem ser reduzidos, além de auxiliar no planejamento e controle das operações do sistema de produção”, explicam os pesquisadores.

Para Rosangela e Leite, decisões como crescimento ou estabilização da fazenda, aumento ou não da área de pasto, investimentos em maquinário, benfeitorias, descarte e compra de animais só têm sentido se o produtor estabelecer metas para a atividade. “A meta para as propriedades deve ser econômica e, com base nela, projeta-se quais os recursos necessários para alcançá-la – animais, terras, mão de obra, máquinas e equipamentos, instalações”, aconselham os pesquisadores.

O agrônomo da Cooperideal afirma que o caminho a ser seguido, baseado “nos dados na ponta do lápis”, inclui, por exemplo, a tomada de decisões sobre compra de insumos, aquisição e descarte de animais e aumento da área de pastagens. “Para a compra de insumos, o produtor tem de saber as necessidades do rebanho e acompanhar o mercado. No caso de compra e venda de animais, é preciso conhecer a estrutura do rebanho e o ciclo reprodutivo dos animais. Antes de investir em um aumento da área de pasto, o produtor tem de avaliar se a área que ele tem disponível está na sua máxima eficiência. E tudo isso depende do quê? De conhecer a propriedade, de ter as informações da fazenda. Voltamos à importância das planilhas”, insiste Quinaglia Neto.

Erro comum

Segundo o agrônomo, um erro comum é investir no aumento do rebanho e da área de pastagem sem conhecer a eficiência do pasto já existente. “A dica é tirar o maior proveito da área já disponível”, diz. Para isso, explica, deve-se ter uma boa fertilidade do solo – o que inclui fazer uma análise de solo bem-feita – e avaliar a produção de leite por hectare/ano.

“O bom produtor não é o que tira mais leite de uma vaca, de forma isolada, mas aquele que obtém o maior nível de eficiência dos animais a partir da área disponível.”

Os pesquisadores da Embrapa concordam. “Normalmente, o item que representa o maior custo na atividade leiteira é a alimentação do rebanho. Com isso, é imprescindível ter em mãos indicadores que permitam medir a eficiência do sistema de produção, como a taxa de lotação das pastagens, que é resultante do número de vacas em lactação dividido pela área (em hectares) destinada a essa categoria, e a produtividade das pastagens, que é a produção anual de leite em relação à área total do sistema produtivo. Muitas vezes, o que se precisa é realizar uma adubação, e não aumentar a área”, dizem.

O agrônomo da Cooperideal explica que conhecer a estrutura do rebanho, “animal por animal”, é outro item fundamental para planejar a fazenda. “A partir do ciclo reprodutivo do rebanho, o produtor sabe, por exemplo, a época de parição de cada animal e a época que uma vaca ‘seca’. O que mantém o produtor vivo são as vacas em lactação, então ele monta uma estratégia de aquisição e descarte com base nessas informações.”

Segundo Quinaglia Neto, há produtores de leite que ganham dinheiro, mas não sabem “onde”. Outros acham que estão lucrando, mas não estão. “Daí a importância da gestão.” Ele diz ainda que não é o preço que faz uma ‘vaca boa’. “Vaca boa é aquela que se encaixa nas necessidades da fazenda. E produtor eficiente é aquele que está sempre tentando se preparar, com antecedência, para atender às necessidades do rebanho e da propriedade.”

A recomendação ao produtor é preencher fichas de campo, com as chamadas ocorrências zootécnicas (partos, coberturas, peso e nascimentos); econômicas (gastos e receitas), e climáticas (regime de chuvas e temperaturas máximas e mínimas). Isso ajuda a detectar eventuais focos de prejuízo e a elaborar um planejamento estratégico para o descarte de animais.

Choque de gestão

Antes do “choque de gestão” na fazenda, os Borssatti produziam 12 mil litros por hectare/ano. A produção atual é de 18.336 litros de leite por hectare/ano. “Esses números dão a dimensão da mudança de gestão na fazenda”, diz o jovem Rodrigo. “Antes, o preço do leite podia até ser melhor que hoje, mas não tínhamos a consciência que temos hoje da propriedade e do negócio.”

Antes de decidir pela compra ou descarte de um animal, Rodrigo diz que é ideal manter uma proporção entre vacas “em secagem” e parições. Sem essa proporção, o risco de um colapso é grande, porque, grosso modo, o que banca a fazenda são as vacas em lactação, principalmente as recém-paridas”, afirma o produtor. Segundo ele, a procedência do animal é também outro fator fundamental, sem esquecer a quantidade de pastagem disponível. “De nada adianta ter um animal de boa genética, gastar para comprá-lo e, na fazenda, ele não ter alimento.”

Só se conhece a capacidade de produção do animal com alimentação adequada.

A família conta ainda como passou a se programar para não gastar mais do que o necessário na compra de insumos, como fertilizantes. “Tem de fazer análise de solo, pois isso indicará quais insumos o solo precisa. Com a ajuda de um técnico e com a análise de solo em dia, além de aumentar a fertilidade da área destinada aos animais, conseguimos gastar de forma racional, aplicando apenas o necessário, nem a mais nem a menos”, explica Rodrigo.

Mão de obra

Segundo os Borssatti, sem fertilidade é mais difícil ser eficiente. “Mas não adianta fazer análise de solo, plantar e não fazer o manejo adequado do pasto. É importante investir em mão de obra qualificada. São etapas que precisam ser bem executadas para o resultado final ser satisfatório.”

Rosangela Zoccal e José Luiz Bellini Leite, da Embrapa, chamam a atenção para a questão da mão de obra em propriedades leiteiras. “Um dos grandes problemas da atividade leiteira é a disponibilidade de mão de obra treinada e capacitada para desenvolver as rotinas diárias que uma unidade de produção de leite exige. Nossas dicas são: gostar de trabalhar com gente; saber ouvir; reagir rapidamente; ter habilidades para resolver problemas e focar nas metas e nos resultados”.

Para administrar uma propriedade leiteira de forma profissional é preciso, em termos de gestão, implementar o ciclo PDCA (Planejamento, Desenvolvimento, Controle e Avaliação). “É o ciclo completo da gestão que começa no planejamento e vai até a avaliação e retroalimentação do planejamento do próximo ciclo. Existem vários cursos de gestão que o produtor pode e deve fazer, tomando a atividade como um bom investimento e aplicar seus conceitos”, dizem os pesquisadores da Embrapa.

Publicado na edição de Nº 86 da Revista Mundo do Leite.

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