Polpa cítrica na produção de carne, por Sergio Medeiros

O pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste fala do uso de alimentos concentrados na nutrição do gado

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O ingrediente carro-chefe como fonte de energia das dietas e suplementos de bovinos de corte é o milho. Isso, tanto pela disponibilidade, como por ser fonte altamente concentrada de energia. Aliás, foi por produzir muita energia por área que ele se tornou largamente cultivado.

Cerca de metade do milho produzido no mundo vai para a produção animal, particularmente monogástricos. Os ruminantes dependem menos dessa fonte de energia. Graças à parceria com os microrganismos do rúmen, conseguem usar alimentos fibrosos. A produção de carne no Brasil, por exemplo, é feita 98% com base em pastagens.


Todavia, no caso de gado de corte, é altamente vantajoso, tanto do ponto de vista econômico, como ambiental, o uso de alimentos concentrados, a medida que eles permitem terminar o animal mais rápido e encurtar o ciclo de produção.

Uma excelente opção é quando se usa resíduos e subprodutos como ingredientes de concentrados. Primeiro, porque são reaproveitamentos de algum processo na produção de alimentos. Portanto, dividem sua pegada ecológica com os produtos principais. Segundo, porque eles podem substituir, nas rações, alimentos passíveis de serem consumidos por humanos, como o milho e a soja, por exemplo.

Uma distinção acadêmica entre resíduos e subprodutos seria que apenas estes últimos teriam valor econômico. Os resíduos seriam como o descarte da pré-limpeza de algum produto vindo do campo e, por ser extremamente variável e de baixo valor nutricional, é mais difícil de ser comercializado.

Em geral, os resíduos destinados à nutrição animal são utilizados no próprio local de produção. Há, ainda, quem prefira o uso do termo coproduto, em vez de subproduto, como forma de valorizá-los e, de fato, eles podem ser importantes fontes de renda para a agroindústria, ainda mais considerando que, se não houvesse essa alternativa de uso em alimentação animal, eles seriam material que teria ainda algum custo de descarte.

A polpa cítrica peletizada (PCP) é um subproduto da produção de suco de laranja de grande destaque na nutrição de ruminantes. Segundo um levantamento feito em 20141, mais de 37% de consultores usam a PCP como um dos ingredientes da dieta, sendo o coproduto principal de 21% deles, com inclusão média de 40% da matéria seca da dieta.

Ela é constituída exatamente por tudo o que não é líquido: casca, bagaço e sementes. Para se tornar polpa cítrica o bagaço de laranja, que originalmente possui aproximadamente 87% de água, é prensado, ficando com 35% de água. Com o processo subsequente de secagem, fica com 10% de água e pode ser peletizado. Cada 100 kg de laranja produzem 3,4 kg de PCP. Como a safra da laranja vai de maio a janeiro, abrange bem o período da seca no Brasil pecuário central (de maio a outubro), sendo esse também um fator favorável a seu emprego como ingrediente na nutrição de gado de corte.

Um exemplo de composição nutricional da PCP, em comparação com o milho grão, pode ser vista abaixo:

PB = proteína bruta, EE = extrato etéreo, FDN = fibra em detergente neutro, NDT = nutrientes digestíveis totais (Fonte: Pereira et al, 2007)

A grande diferença entre a PCP e o milho está na porção fibrosa, com FDN e FDA muito mais elevados, o que faz com que os CNF sejam significativamente menores para ela.

Na forma seca ou peletizada, ela tem sido usada em várias circunstâncias com excelentes resultados:

– ingrediente da dieta de confinamento
– ingrediente de suplementos
– Componente de silagens de capim

No caso das silagens de capim com uso de polpa cítrica, ela tem duas grandes utilidades: aumentar o teor de matéria seca da massa ensilada e reduzir as perdas de efluentes. Ao aumentar a matéria seca, há menor necessidade da queda do pH para manter a silagem conservada e os açucares disponíveis serão suficientes. Além disso, a polpa melhora o valor nutritivo da silagem. O nível de inclusão costuma ficar entre 5% a 15% da matéria in natura.

Como ingrediente de suplementos, a polpa cítrica também pode ser usada e, teoricamente, com a vantagem de sua composição rica em pectina ser mais interessante do que o amido do milho. A fermentação da PCP desafia menos o rúmen e se alinha mais com a degradação da fibra, pois causa menor produção de lactato, o ácido orgânico mais forte. Apesar dessa característica ter sido observada no uso prático, ainda faltam mais dados científicos que corroborem essas observações e nos deem a dimensão mais exata dessa vantagem.

Em trabalho feito pela Universidade de Viçosa1 essa vantagem da PCP foi bem evidente. Ao comparar suplementos com base em fontes de amido (milho e milheto grão) contra fontes fibrosas (PCP ou farelo de trigo), essas últimas resultaram em ganho de peso 17% superior, sendo o maior valor numérico para a PCP (860 g/cab.dia contra cerca de 700 g/cab.dia de todos os demais tratamentos). Vários outros trabalhos mostram o desempenho semelhante entre fontes amiláceas e ricas em pectina, sendo ainda vantajosas essas últimas, visto que elas teriam menor densidade energética, bem como costumam baratear a suplementação.

Um trabalho recente realizado na ESALQ/USP1 usou suplementos à base de PCP como forma de reduzir os efeitos negativos de alta pressão de pastejo no desempenho. Os resultados obtidos para desempenho podem ser vistos na Figura 1 e mostram que foi uma estratégia eficiente em melhorar o desempenho, quando praticamente dobrou o desempenho em relação ao sem suplementação para o manejo do pasto a 10 cm e resultou em 74% maior ganho de peso diário para o tratamento com 15 cm. A inclusão de suplemento, todavia, foi bem elevada, de 6 g/kg de peso vivo, ou seja, considerando o peso médio do experimento próximo aos 350 kg, seriam mais de 2 kg de suplemento por cabeça por dia.

Figura 1 – Efeito da suplementação com base em PC (6 g/kg PV) para bovinos em pastagens com duas alturas de saída do pasto (10 cm e 15 cm) de Braquiarão. Controle: sem suplemento.

O uso da polpa cítrica em dietas de confinamento é o principal uso e há vários trabalhos mostrando como a inclusão deste subproduto em substituição ao milho permite a obtenção de resultados equivalentes, mesmo ele tendo um valor de energia menor do que o milho. Isso significa que o todo é maior que a soma das partes, ou seja, a energia contida no ganho de peso é maior do que a energia da dieta baseada nos valores de cada ingrediente. Ocorre um efeito associativo entre os ingredientes da dieta que faz com que ela seja mais bem aproveitada e isto é atribuído ao modo da fermentação da polpa cítrica que, apesar de ocorrer em taxas ainda mais rápidas do que o amido, desafia menos o pH ruminal, conforme já comentado acima

Um destes trabalhos1, feito no IZ, da Apta, em Sertãozinho, grupos de tourinhos Santa Gertrudes receberam dietas com quantidade crescentes de polpa cítrica no lugar do milho sendo: Controle (0% de substituição) e mais três níveis: 25%, 40% e 55%. Na Figura 2, estão resumidos os dados de ganho diário de peso (GDP) e ingestão de matéria seca, em porcentagem do peso vivo. O mesmo grupo havia feito um experimento com uma dieta com 80% de PCP que apresentou problemas de consumo da dieta, e consequentemente, desempenho, o que foi atribuído ao excesso de cálcio.

Em trabalho realizado com touros Canchim, na ESALQ/USP, inclusões acima de 27% da MS (ao substituir o milho acima de 50%), apresentaram menores consumos. Os autores atribuíram a isso ao fato da dieta ter bastante volumoso (30%MS), o que fez com que a vantagem do menor desafio do pH ruminal não tenha feito grande diferença, bem como o aumento do teor de fibra na dieta pode ter dificultado o consumo da dieta pelos animais. Isso mostra que a inclusão de PCP é tão mais benéfica quanto mais se usa dietas com alto teor de concentrado, o que tem sido uma forte tendência nos últimos anos.

Figura 2 – Efeito da substituição do milho grão pela PC (0, 25, 40 e 55% da MS da dieta) em dietas de confinamento para bovinos.

Ainda com relação ao uso de PCP em confinamento há outra vantagem, em função da redução do teor de amido da dieta. Os ruminantes tem dificuldade em digerir altas concentrações de amido chegando ao intestino delgado e, assim, a redução do teor de amido da dieta ajuda com que ocorra uma menor perda de amido nas fezes. De fato, o pH fecal de dietas com PCP substituindo parcialmente o milho são mais elevados, indicando menor quantidade de amido sendo fermentado nas fezes.

Um ponto de observação quando do uso da PC, especialmente em dietas muito “quentes” é que pode aumentar o caso de timpanismo espumoso. Assim, se por um lado a pectina ajuda a ter uma fermentação mais favorável, ela também aumenta a viscosidade do fluido ruminal, o que faz com que as bolhas formadas sejam mais resistentes e motivo para o aumento da preocupação com esse tipo de problema. Fica o alerta, mas os relatos de problema mesmo são raros e estão mais ligados ao fato da dieta ter pouca fibra ou por uma adaptação abaixo do ideal, bem como ao fato de haver animais mais sensíveis ao problema.

Ao se formular dietas com PC, deve-se atentar para os índices de inclusão, de, no máximo 55% e, particularmente, atentar para o seu teor de Ca, que costuma ser bastante alto, pois calcário é usado como um ajudante no processo de secagem. Deve-se avaliar se o teor de Ca da dieta como um todo e evitar valores maiores do que 1% da MS da dieta. Também importante avaliar se a relação Ca:P está, pelo menos, abaixo de 6:1. Compensa, também, analisar as frações do nitrogênio ligadas à fibra, especialmente o nitrogênio ligado à fibra detergente ácido (NIDA), pois valores muito altos podem ocorrer em função da temperatura de secagem. A proteína correspondente a quanto estiver presa no NIDA deve ser descontada, pois ela é considerada indisponível.

A PCP é bastante higroscópica e, assim, durante sua armazenagem isso pode levar a dois problemas se ela absorver muita umidade: ficar mais suscetível à deterioração microbiana e, até, por conta do calor de fermentação, pegar fogo. Um problema associado é haver a produção de toxinas por fungo, as micotoxinas, que podem acarretar desde perdas pouco perceptíveis no desempenho até a morte dos animais. Se não houver um local seco e arejado, pode ser vantagem receber as cargas o mais próximo possível do uso, fazendo um contrato de compra com entregas parceladas, por exemplo.

A PCP é um alimento bastante interessante e tem várias características que a fazem bem alinhada com exigências para a produção sustentável de carne: (i) Como subproduto, ela divide a pegada ecológica com o produto principal, (ii) por frequentemente reduzir custos, aumenta viabilidade econômica, além de (iii) reduzir a competição com alimento passível de consumo por humanos. Como ela ocorre onde temos produção de laranja, o uso mais frequente é para quem está perto de uma fábrica de suco. Feliz de quem pode ter mais esse ingrediente como opção nutricional.

Referências Bibliográficas:

¹ Oliveira e Millen, 2014
² Nascimento et al. (2009), R. Bras. Zootec., v.38, n.6, p.1121-1132, 2009
³ Costa el al. (2019), Rev. Bras. Saúde Prod. Anim., Salvador, v.20, 01, http://dx.doi.org/10.1590/S1519-9940200362019
4 Henrique et al. (2004), R. Bras. Zootec., v.33, n.2, p.463-470, 2004

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