Produção e reprodução sob risco

Atenção à cetose, doença deixa as vacas mais suscetíveis à mastite. Nova tecnologia permite diagnóstico precoce, com procedimento feito diretamente na fazenda, por um custo mais baixo.

Pós-parto. Período de transição antes e depois de a vaca parir é o mais sensível para as leiteiras.
Por Renato Villela

Uma doença sorrateira pode estar por trás da queda de produção leiteira e da piora nos índices reprodutivos do seu plantel. Pouco diagnosticada, mas cada vez mais prevalente nos rebanhos, a cetose acomete principalmente vacas de alta produção, na maioria dos casos durante as primeiras semanas de lactação.

De origem multifatorial, a enfermidade requer cuidados que vão da nutrição ao bem-estar animal. Até mesmo a saúde dos cascos é um fator de predisposição. Especialistas advertem que faltam estudos para desenvolver melhores formas de tratamento.


A boa notícia é que um novo teste para o monitoramento da doença já vem sendo aplicado nas propriedades leiteiras. A ferramenta, de fácil uso, prática e de baixo custo, permite o diagnóstico rápido da cetose, estratégia fundamental para que o produtor tome as medidas necessárias para estancar os prejuízos causados pelo mal.

Conhecida por muitos como “síndrome da vaca gorda”, a cetose é uma patologia associada ao déficit energético do animal. Toda vez que a demanda de energia do organismo é maior que o suprido pela alimentação, o animal é obrigado a mobilizar gordura do tecido adiposo, que é metabolizada no fígado e leva à produção de corpos cetônicos, desencadeando a doença.

De acordo com o professor Rafahel Carvalho de Souza, da PUC-MG e consultor técnico da R&R Aperfeiçoamento, de Belo Horizonte, esse desequilíbrio normalmente se dá no chamado “período de transição”, que compreende os 21 dias pré e pós-parto.

“No fim da gestação ocorrem alterações endócrinas, o útero se expande e comprime o rúmen, por isso a vaca come menos. Além disso, o feto está na fase final de crescimento, tem início a colestrogênese (produção de colostro). A demanda de energia é muito grande, em especial nos animais que produzem mais leite, por isso há um déficit de energia”, explica.

A cetose se manifesta de duas maneiras: na forma clínica da doença os sinais são aparentes. A vaca perde escore corporal rapidamente, tem queda na produção de leite, fezes secas e anorexia. Em alguns casos o animal mostra-se prostrado e exala odor característico de acetona. Essa manifestação, no entanto, representa somente uma pequena parcela da cetose. Assim como acontece com outros distúrbios metabólicos, a ocorrência da doença remete à velha analogia do iceberg: o problema maior está “submerso”, ou melhor, fora do alcance dos olhos, na forma subclínica.

Sem qualquer sintoma aparente, a cetose subclínica provoca a elevação dos corpos cetônicos na corrente sanguínea. Essa alteração fisiológica causa diminuição da produção leiteira, além de estar associada ao maior risco de o animal desenvolver outras doenças metabólicas. Essa realidade está bem retratada numa pesquisa conduzida pelo professor e que está prestes a ser publicada.

O estudo, realizado de agosto a dezembro de 2014 em dez sistemas intensivos de produção de leite, em Minas Gerais, São Paulo e Paraná, avaliou 732 fêmeas da raça Holandesa em lactação, com produção média de 33,8 kg/leite/dia. A análise dos dados mostrou que a doença foi diagnosticada na forma subclínica em 38% das vacas. “É uma prevalência alta”, relata.

A despeito de a literatura internacional indicar que na maioria dos casos o ocorrência da cetose se dá nas duas primeiras semanas pós-parto, o estudo mostrou que a prevalência da cetose subclínica manteve-se alta não somente nas primeiras duas semanas, mas por 45 dias após o parto. “Esse fato mostra a necessidade de o produtor estender o monitoramento para esse período”, afirma.

No frágil equilíbrio entre a elevada demanda energética do animal e a ingestão de alimentos no período de transição, uma saída é “aliviar o peso” de um dos lados da balança, o que pode ser feito por meio da melhora do teor energético do alimento. “É possível aumentar a proporção de suplementos concentrados ou incluir uma fonte de gordura protegida na dieta”, explica o pesquisador Mirton Morenz, da Embrapa Gado de Leite, de Juiz de Fora, MG.

É importante destacar que elevados níveis de concentrado implicam menor consumo de forragem e, consequentemente, risco maior de acidose ruminal. O fornecimento de gordura protegida, por um período de 60 a 90 dias pós-parto, permite aumentar a densidade energética da dieta, reduzindo a mobilização de reservas corporais sem elevar o risco de ocorrência de acidose ruminal. “Outra forma de mitigar os efeitos da cetose é evitar que a vaca esteja muito gorda no momento do parto, com escore corporal acima de 4”, recomenda o pesquisador.

Segundo Rafahel Souza, da PUC Minas, o fornecimento de alguns aditivos alimentares, em especial a colina, uma das vitaminas do complexo B, ajudam no metabolismo hepático da gordura e por isso podem ser eficazes no combate à cetose. O professor lembra, no entanto, que todas essas medidas devem vir acompanhadas de outros cuidados na propriedade.

“A cetose é uma doença de causas multifatoriais. Tudo o que leva o animal a reduzir o consumo de alimentos é um fator de predisposição, como o estresse calórico, a má qualidade da dieta fornecida, um problema de casco”, afirma. Para Souza, é um erro tratar a doença como um caso isolado na propriedade.

“Na maior parte das vezes, a doença não é do indivíduo, mas do sistema de produção. Se uma vaca está doente é provável que outras também estejam. Por isso o produtor deve olhar seu sistema de produção como um todo e corrigir o que está errado”.

Não existe um protocolo específico para o tratamento da cetose. Quando a doença é diagnosticada, o que se recomenda é a administração oral de soro com propilenoglicol, precursor imediato do propionato, principal fonte de energia utilizada pelo ruminante. O conceito é o mesmo: minimizar a mobilização de gordura e sua metabolização no fígado. O número de aplicações e o tempo para a cura da cetose depende do déficit energético do animal.

Apesar de reconhecer a efetividade do tratamento, Souza chama a atenção para a necessidade de mais pesquisas sobre o tema. “Precisamos desenvolver melhores formas de tratamento”, afirma. De acordo com o professor, é importante adotar medidas que maximizem o consumo de matéria seca, como melhora do conforto animal e o fornecimento de uma dieta de boa qualidade.

Recentemente, o combate à doença ganhou um aliado importante. O teste de diagnóstico da cetose subclínica, que antes era feito apenas por meio de exames laboratoriais para avaliar a concentração de corpos cetônicos, principalmente no sangue, procedimento demorado e caro, agora pode ser feito diretamente na fazenda, com custo mais baixo.

Já existe no Brasil um aparelho portátil, específico para bovinos, semelhante ao kit medidor de glicose utilizado por portadores de diabetes, que permite o diagnóstico imediato da doença. De fácil manuseio, o aparelho necessita de pequena quantidade de sangue, retirada por meio de um pique (punção) na veia ou artéria coccígea, localizada na ponta da cauda do animal.

O resultado sai em cinco segundos. “O diagnóstico precoce permite o tratamento mais rápido e, consequentemente, reduz as perdas ocasionadas pela cetose”. Para monitorar a doença, o professor recomenda que sejam feitas ao menos duas amostragens durante o período mais crítico, aos 7 e 14 dias após o parto.

Vacas de alta produção são as maiores vítimas

A cetose é uma desordem metabólica, assim como a acidose ruminal e a hipocalcemia, outras doenças de muita relevância na pecuária leiteira. A patologia, que pode acometer vacas secas, bezerras e doadoras, mas é mais comum nas fêmeas em lactação de alta produção, se caracteriza pelo aumento da concentração de corpos cetônicos na corrente sanguínea. Isso acontece quando o animal não consegue suprir pelo alimento sua exigência energética.

Nesse caso, o organismo tenta compensar o déficit buscando outra fonte de energia, presente na gordura do tecido adiposo, que então é metabolizada no fígado. O produto resultante desse processo para produzir energia são os corpos cetônicos, que em elevada concentração provocam danos ao organismo animal. Além de causar a diminuição na produção de leite, esses compostos têm efeito deletério sobre a reprodução, uma vez que são tóxicos para o desenvolvimento dos oócitos, células germinais geradas no ovário e que, uma vez fecundadas pelos espermatozóides, dão origem ao embrião.

Além disso, os corpos cetônicos diminuem a secreção de citocinas, glicoproteínas que induzem a produção de anticorpos, comprometendo, dessa forma, a resposta imune do animal, que se torna mais suscetível a doenças, como mastite, metrite e outras patologias de origem infecciosa.

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