Agronegócio deve aprimorar os contratos em vez de quebrá-los

Francisco de Godoy Bueno é advogado especializado em agronegócio e sócio do Bueno, Mesquita e Advogados

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Por Francisco de Godoy Bueno

O agronegócio esteve entre os setores menos afetados pela pandemia no Brasil. Isso não afastou, no entanto, o risco de quebra de contratos. A disparada dos preços de commodities agrícolas, motivada pelo aumento da demanda internacional e os impactos da apreciação da taxa de câmbio, tem trazido tensão ao cumprimento de compromissos de entrega da safra, realizados por produtores no ano passado, anteriormente ao plantio, mediante contratos de venda antecipada e operações estruturadas de crédito com tradings e fornecedores de insumos.


Esses produtores (muitas vezes incitados por advogados) vem buscando a revisão das obrigações contratuais, assumidas antes da valorização das commodities, alegando que a alteração das circunstâncias de mercado fez o cumprimento do contrato excessivamente oneroso e injusto, porque os produtores estão sendo obrigados a entregar a sua safra por um valor muito inferior à cotação atual dos grãos.

De fato, o Código Civil, no Art. 478, admite a resolução ou a revisão dos contratos que se tornem excessivamente onerosos em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. Essa disposição visa impedir os contratos paritários se tornem desequilibrados em virtude de circunstâncias que seriam imprevisíveis aos contratantes.

Em que pese a extraordinária alteração dos preços de commodities agrícolas, que, em alguns casos, dobraram de preço desta safra para a anterior, quando os contratos de entrega futura foram celebrados, a onerosidade excessiva, neste caso, não decorre de fatores extrínsecos ao contrato. Os contratos para entrega futura, com efeito, possuem necessariamente um fator de risco, para ambas as partes, que confirmam o equilíbrio da compra e venda a um preço pré-fixado, evitando que o equilíbrio comercial seja afetado por futuras oscilações de mercado, para mais ou para menos.

Esses contratos têm a importante função de garantir, a produtores, processadores e comerciantes de commodities a equalização de custos de produção, servindo como mecanismo de hedge para que as partes possam melhor planejar os seus negócios. A busca pela quebra de contratos, numa visão imediatista, sem considerar a função econômica desses compromissos, podem até favorecer os produtores demandantes, mas têm enorme potencial de prejuízo ao sistema econômico que sustenta o agronegócio nacional. Além de causar sérios prejuízos aos demais elos da cadeia, desestruturando os negócios, no longo prazo, todos os atores do campo saem perdendo, pela perda de confiança e credibilidade nos acordos celebrados.

A jurisprudência dos nossos tribunais parece estar madura o suficiente para evitar que essas demandam prosperam. Diante de repetidas turbulências nos mercados de commodities e de câmbio, as cortes já compreenderam que os contratos de hedge devem ser cumpridos sem qualquer intervenção, porque é da sua natureza a manutenção do contratado, independentemente da variação de preços. A grande defasagem de preços, no entanto, deve servir de lição para que o setor agropecuário possa aprimorar as suas práticas contratuais.

É preciso, com efeito, que haja uma melhor compreensão das operações de hedge, especialmente quando essas forem realizadas no âmbito de operações de crédito, como tem sido cada vez mais comum entre os produtores brasileiros, que buscam taxas de juros supostamente mais atrativas no mercado privado de crédito por meio da emissão de CPRs, CRAs e outros títulos de crédito. De fato, ao assumir uma taxa de juros implícita nessas operações, o produtor passa a ficar exposto a um aumento exponencial das taxas de juros efetivamente pagas, comprometendo-se com operações de crédito usurárias escamoteadas de operações comerciais.

Fato semelhante ocorreu nos idos de 2008, quando empresas exportadoras assumiram pesados prejuízos em operações estruturadas de crédito vinculadas a derivativos cambiais. Em virtude da alteração da cotação do câmbio, os juros pagos por essas empresas, que inicialmente eram menos onerosos, tornaram-se muito mais caros do que seriam em operações de crédito convencionais.

Essa é a mesma situação que ora se deparam alguns produtores. Aqueles que buscaram financiamentos por meio de operações de crédito não vinculados ao preço de commodities pagaram taxas de juros de mercado e estão agora aproveitando a apreciação das cotações do produto, para quitar suas dívidas e gerar caixa. Aqueles que se endividaram com base em compromisso de entrega de grãos, estão sendo alijados do mercado, assumindo um custo de capital muito maior do que a taxa de juros em vigor.

Considerando a importância das operações estruturadas no financiamento da safra, essa situação pode colocar em risco a solvência de muitos produtores e o equilíbrio sistêmico da produção agrícola nacional. Assim, ainda que seja inadmissível defender a quebra de contratos, é preciso que o setor se articule em busca de soluções adequadas que possam evitar injustiças que prejudiquem desenvolvimento do setor no longo prazo.

Em primeiro lugar, quanto aos contratos já firmados, é fundamental que haja um esforço adicional de renegociação dos agentes financiadores. Embora seja juridicamente obrigatório o cumprimento dos contratos, o dever ético deve prevalecer para sejam partilhados os benefícios da apreciação das cotações, tornando mais equitativa a taxa de juros cobrada do produtor e fortalecendo laços sustentáveis de longo prazo nas cadeias produtivas.

Em segundo lugar, quanto à solução de controvérsias, é preciso que se tenha muita atenção quanto à função econômica e social de cada contrato. Operações comerciais, que visam a aquisição de matéria-prima e, portanto, servem de hedge recíproco para ambas as partes devem ter tratamento diferenciado das operações de crédito, em que as partes não buscam a mercadoria, mas apenas especular com a sua cotação. Nesse sentido, é preciso criar salvaguardas para que a apreciação das cotações não sirva de justificativa para a cobrança de juros abusivos, muito superiores às taxas de mercado e aos limites da usura.

Por último, é preciso aprender com os desafios enfrentados. Produtores, processadores e financiadores do agronegócio devem se organizar para buscar modelos contratuais que possam regular adequadamente situações extraordinárias como as que vivemos atualmente sem ensejar um risco de quebra contratual. Nesse sentido, estabelecer limites de volatilidade, cláusulas de arrependimento com consequências indenizatórias, dentre outras salvaguardas para evitar prestações manifestamente desproporcionais ao valor da prestação oposta, devem ser buscadas pelas partes sofisticadas que se utilizam dessas operações estruturadas em seu contexto operacional.

Na circunstância atual, em que ficaram superadas as condições sociais do lavrador e cultivador direto hipossuficiente pressuposto pelo Estatuto da Terra, o produtor rural não pode mais alegar inexperiência ou imprevisivilidade, devendo manter a mesma atenção aos contratos e às cotações internacionais que têm à sua lavoura, evitando que pragas e doenças institucionais contaminem a sanidade e a sustentabilidade de sua produção.

*Francisco de Godoy Bueno é advogado especializado em agronegócio e sócio do Bueno, Mesquita e Advogados.

 

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